A Câmara Municipal de Cotia, em sessão realizada na última terça-feira (4), derrubou o veto total do prefeito Rogério Franco (PSD) ao projeto de lei que proíbe o uso da linguagem neutra nos estabelecimentos municipais de ensino e na administração pública da cidade. O projeto, de autoria do vereador Johny Santos, havia sido aprovado pela Câmara no mês passado, mas vetado integralmente pelo chefe do Executivo.
Na justificativa do veto, Rogério Franco alegou que a proposta violava o pacto federativo e os princípios da liberdade e solidariedade vinculados à educação, configurando censura pedagógica. Apesar de contar com maioria na Câmara, o prefeito não conseguiu manter seu veto, e os vereadores decidiram confirmar a proibição da linguagem neutra no município.
A decisão gerou polêmica entre defensores da liberdade de expressão e grupos mais conservadores. O autor do projeto comemorou a derrubada do veto, afirmando que "a linguagem neutra é uma afronta à língua portuguesa e uma tentativa de doutrinação ideológica". Já a oposição criticou a medida, alegando se tratar de censura e de uma interferência indevida no sistema educacional.
No entanto, o advogado Dr. Wallacy Macedo Santana alerta para a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 18/2024. Segundo ele, "o ativismo legislativo municipal, em muitos casos, não observa as condições inerentes ao constitucionalismo das Leis". O advogado cita duas Leis estaduais que versam sobre a mesma matéria e que foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7644, de relatoria do Ministro Flávio Dino.
O STF entendeu que a competência constitucional para definir as diretrizes da educação brasileira é privativa da União, e não dos Estados e Municípios, que devem legislar com observância da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Portanto, em apelo ao princípio da simetria, o advogado afirma que o Projeto de Lei aprovado pela Câmara Municipal de Cotia é também inconstitucional.
Com a derrubada do veto, a proibição da linguagem neutra em Cotia passa a valer assim que a lei for promulgada pela Câmara e publicada no Diário Oficial do município. No entanto, a medida deve gerar novos debates e possíveis questionamentos judiciais sobre sua constitucionalidade, como ressaltado pelo advogado Dr. Wallacy Macedo Santana.
O que é linguagem neutra?
A linguagem neutra é uma forma de comunicação que busca evitar o uso de termos que possam ser considerados discriminatórios ou excludentes em relação a gênero, orientação sexual, raça, etnia, entre outros. Essa linguagem propõe alterações na estrutura gramatical da língua portuguesa, como a substituição de pronomes e desinências que marcam o gênero masculino ou feminino por termos neutros, como "elu" em vez de "ele" ou "ela".
Segundo a Dra. Heloisa Buarque de Almeida, antropóloga e professora da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à BBC News Brasil, "a ideia da linguagem neutra é tentar encontrar termos e expressões que não demarquem o gênero, para evitar situações de preconceito e discriminação". Ela explica que esse tipo de linguagem busca incluir pessoas que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino, como as pessoas não-binárias.
No entanto, a linguagem neutra tem gerado debates e críticas, especialmente em relação à sua aplicação na língua portuguesa. Alguns argumentam que as mudanças propostas podem afetar a compreensão e a clareza da comunicação, além de irem contra as normas gramaticais estabelecidas.
Fonte: BBC News Brasil - "O que é a linguagem neutra e por que ela é tão debatida atualmente?" (https://www.bbc.com/portuguese/geral-55748512)