Anualmente, o poder executivo faz a previsão dos recursos que entrarão e sairão dos cofres públicos no ano seguinte. Essa previsão chama-se Orçamento Municipal. É uma lei que tem data para nascer e data para morrer. Nasce todo 1º de janeiro e morre sempre no dia 31 de dezembro.Ocorre que, na maioria das vezes, o poder executivo não sabe exatamente quais são as necessidades de cada bairro, de cada região. Este ano, em Cotia, o Orçamento está prevendo receitas de um pouco mais de 1,5 bilhões de reais. Quem nos garante que estes recursos serão destinados para os bairros mais necessitados? Não seria bom que cada bairro apontasse suas prioridades mais urgentes e as encaminhasse formalmente ao poder executivo?
Com a implantação do Orçamento Participativo (OP) é exatamente assim que acontece. A cidade é dividida em sub-regiões e a população se reúne e elege suas prioridades. Elas são anexadas no Orçamento e, ao final do ano, o Poder Executivo faz os ajustes técnicos e envia a Lei Orçamentaria Anual para a Câmara de Vereadores.
Esta forma cidadã e democrática de decidir os destinos do dinheiro público já foi aplicada com sucesso em Porto Alegre, Belém, Santo André e até em cidades européias. A capital gaúcha, depois de implantar o sistema, conseguiu atingir um melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Este índice mede itens como taxa de analfabetismo, saneamento básico e expectativa de vida dos habitantes da cidade.
É possível implantar esse mecanismo em Cotia? Acredito que sim. Porém existem algumas questões que precisam ser superadas. Alguns desafios que o prefeito Welington Formiga irá enfrentar. Selecionei 5 situações a serem enfrentadas:
Primeiro desafio: a divisão das Administrações Regionais. No momento existem três: Granja Viana, Cotia/Centro e Caucaia. O problema é que a cidade possui mais de 250 bairros. Essa divisão dificilmente contemplará todas as regiões da cidade. A proposta do prefeito eleito em refazer a divisão de três para cinco unidades pode funcionar. A minha sugestão é que se altere o nome de “Administração Regional” para “Subprefeitura”. Essa mudança teria um significado simbólico importante. Dá a sensação de algo com mais autonomia para o administrador e maior proximidade com a população.
Segundo desafio: o orçamento a ser executado em 2025 será votado ainda na gestão de Rogério Franco, portanto Welington Formiga terá uma margem de manobra limitada. Executará o Orçamento produzido pelo prefeirto anterior. Por outro lado existe uma cláusula na lei chamada “remanejamento” que permite a realocação de um certo percentual das verbas de uma despesa para outra.
Terceiro desafio: as assembleias do Orçamento Participativo precisam ter poder deliberativo. Aquilo que é votado não deve ser considerado apenas a opinião dos munícipes. Precisa constar na Lei Orçamentária. É a velha contradição “consultivo x deliberativo”. Para que seja deliberativa, a assembleia precisa ter o aval da prefeitura e, principalmente apoio técnico para votar em projetos viáveis, tanto do ponto de vista jurídico com técnico. Se a população não sabe se a demanda será efetivamente encaminhada as reuniões e assembleias vão se esvaziando. Em São Paulo existe o Conselho Participativo Municipal. As reuniões são, de forma geral, pouco frequentadas e sonolentas.
Quarto desafio: Está relacionado a limitação orçamentária. Nem sempre o município terá recursos para contemplar as demandas da população. Há situações em que o dinheiro existe teoricamente, mas na prática pode ocorrer uma arrecadação menor do que a prevista ou atraso nos repasses nos fundos de participação municipal. Se a prefeitura não faz a obra votada nas assembéias do OP a população desanima e para de participar.
Quinto desafio: Existem estudos que demonstram que as práticas participativas funcionam melhor quando, previamente, já existe uma tradição associativa na cidade. Se as pessoas já estão acostumadas a participar da política, por exemplo frequentando as Sociedades de Amigos de Bairro ou Conselhos Gestores (de segurança, saúde e educação) quando se inicia uma nova ferramenta de participação política as coisas tendem a fluir melhor. É o que os cientistas políticos chamam de Capital Social. Se existe densidade associativa prévia o Orçamento Participativo funciona melhor. Em Porto Alegre, parte do sucesso do OP é atribuído ao hábito do povo gaúcho em participar da política local. Será que Cotia possui o tal do Capital Social? É possível que em certa medida e em certos bairros possua sim. E onde não tiver, pode ser que essa característica seja desenvolvida com o tempo.
José Alfredo Bosi é médico e economista. Foi professor da Faculdade Estacio/Europan no Jardim da Glória e da Escola Pedro Casemiro Leite.